quarta-feira, 27 de julho de 2011

11 de Setembro

Como prometi, aqui está o conto pra tapear vocês. Divirtam-se =D­­­­

11 de Setembro

Nada é absoluto. Acredito que tudo tem alguma outra versão, outra visão. Algumas versões distorcem completamente a realidade, algumas se contradizem, e outras se completam. As vezes as varias visões de varias pessoas convergem para uma verdade, verdade essa que, para aquelas pessoas, sim, é absoluta. Nunca inquestionável. Mas uma verdade.

Naquele dia, como em quase todos os outros do ano, fui acordado de um sonho que não lembro pela voz de minha mae, ela dizia que já estava na hora enquanto me arrastava ao banheiro para tomar banho. Era tortura! Obrigar um garoto de 11 anos a acordar ás 5:30 da manha e joga-lo sob a agua gelada devia ser errado! Devia ser um crime! Na verdade nunca liguei para estudar pela manha, até preferia estudar pela manha porque teria a tarde e a noite para brincar. Mas duas coisas me incomodavam profundamente: a primeira era morar TÃO LONGE da escola. Isso me obrigava a acordar cinco da manha quando a aula começava ás 7:30; a segunda era perder todos os desenhos que passavam na televisão.

Tomei o banho, comi apressado e corri para pegar o ônibus, não podia me atrasar muito. Cheguei na escola antes das sete, era uma sorte que consegui pegar o ônibus certo e não encontrar nenhum

engarrafamento.Também né? Seis da manha as pessoas normais ainda estão acordando. E eu tinha de esperar a escola abrir! Mas não tinha outra escolha, era isso ou pegar o ônibus das 6:30 e perder a primeira aula por chegar atrasado.
A escola abriu, encontrei vários amigos, conversei de varias coisas. A aula começou, recebi reclamações por bagunçar junto com outros meninos e olhadas fulminantes das “puxa-saco” que sentavam na frente. Peguei a Bianca de estatua e o Matheus de PG, foi engraçado a Bianca parada enquanto a professora perguntava algo da lição pra ela e ela não pode responder, a professora ficou furiosa, foi engraçado também o Matheus chamando Karine de gostosa, ele ficou morrendo de vergonha, mas tinha de pagar, era assim que funcionava, se ele não tinha escrito PG em nenhuma parte do corpo, tinha que chamar quem eu quisesse de gostosa . Eu mesmo não tive de pagar nada, eu era muito cuidadoso, por isso aceitava essas brincadeiras, ninguém ia me pegar se eu não quisesse! Mas nada daquilo estava me satisfazendo, eu estava incomodado e ansioso e sabia porque: eu PRECISAVA assistir SakuraCardCaptors! Eu tinha assistido todos os dias durante as férias e me apaixonei, eu viciei. Quando as aulas começaram, assistia quando tinha horário vago na televisão que ficava na cantina, mas os horários foram preenchidos e eu já tinha um tempão sem assistir, eu tinha que fazer alguma coisa. O desenho passava la pelas 10:30, ainda eram 8:20, eu tinha tempo pra ir para casa e assistir, mas como ia sair da escola? Aquele lugar era um presidio, até quando agente tinha o ultimo horário vago tinha de esperar dar 12:50 para ir pra casa, o único jeito de sair era com os pais, com uma liberação deles ou doente. Era isso!
Imediatamente coloquei meu plano em ação. Coloquei a cabeça entre os braços, sentado na cadeira, e fiquei assim por algum tempo, logo os meus amigos vieram perguntar se eu estava bem, eu disse que não, que estava enjoado e com dor de cabeça.
- Jadson você está bem? – a professora também notou.
- Não professora – Bianca se intrometeu como sempre – ele disse que tá enjoado e com dor de cabeça, eu não sei porque ele esta enjoado mas não quero que ele vomite aqui. O que pode ser isso professora? Eu vi na televis...
-Está bem Bianca eu já entendi, é isso mesmo que você esta sentindo Jadson? Achei você quieto demais.
Eu, como um ótimo ator que era, levantei a cabeça devagar, e disse lento e baixinho que sim. A professora preocupada me mandou para a enfermaria. Primeiro passo feito.
A enfermeira era uma mulher gorda que parecia gentil, mas tinha sempre um olhar desconfiado, talvez ela estivesse acostumada com alunos mentirosos que queriam fugir das aulas, mas eu era bom, estava genuinamente doente! Ao menos aparentava né?
A enfermeira me perguntou o que eu sentia e eu respondi com a mesma força de vontade com que respondi para a professora, ela não podia descobrir que era mentira. Depois me larguei no sofá so para parecer mais convincente, era assim que eu ficava quando estava doente de verdade, mole. A enfermeira me perguntou se eu estava com vontade de vomitar e eu disse que não - se estivesse a ponto de vomitar não poderia voltar sozinho para casa. Ela pegou o termômetro e me deu, disse que era para colocar embaixo do braço enquanto ela ia pegaragua para mim. Foi a oportunidade perfeita. Esfreguei o termômetro com as duas mãos para esquentar ele, e coloquei do lado do computador que ela vivia reclamando esquentava demais. Quando ela voltou, coloquei o termômetro embaixo do braço e me joguei no sofá, o coração aos pulos. Ela olhou o termômetro e depois olhou pra mim, ela parecia desconfiada. Ela me disse que não podia me dar remédio nenhum e que ia ligar para a minha mae. Passo dois feito.
A enfermeira ligou pra minha mae e conversou com ela algo que eu não ouvi, depois trouxe para mim o telefone.
-Jau? Voce esta bem? O que você tem?
Esse é o problema das mentiras, as repetições. Falei tudo com ela de novo e acabei convencendo minha mae de que eu deveria ir pra casa, e passaria na casa de minha avo para que ela me desse algum chá horrível. Passo três feito.
Entrei na sala, peguei minhas coisas, e me despedi de todo mundo explicando que eu não estava mesmo bem e ia para casa, mal disfarçando minha euforia. Quando me despedi da enfermeira ela me olhou de um jeito diferente, acho que ela percebeu a minha mentira, mas ao menos não atrapalhou. Sai da escola, andei lento, de cabeça baixa e arrastando os pés até uns 200m da escola. Quando já tinha certeza de que não tinha ninguém olhando comecei a correr, era como se toda a ansiedade e medo de ser descoberto tivessem virado euforia e explodisse de vez dentro de mim. Corri e não senti o chão, corri para a liberdade e para Sakura. A minha corrida valeu de algo, assim que cheguei no ponto peguei o ônibus, ele estava quase saindo mas me esperou. Entrei no ônibus mas mal conseguia me manter sentado e cada semáforo durava uma eternidade, o desenho estava prestes a começar!
Quando finalmente cheguei em casa, fui direto para a televisão. A apresentadora falou algo e anunciou o desenho, eu tinha chegado na hora certa! Teria a recompensa por todo o meu esforço!
Mas
O desenho começou e eu finalmente sentei, feliz, quando de repente foi interrompido. Uma vinheta que dizia Plantão tomou o lugar da aventura e o repórter começou a falar, quase em um tom desesperado que estavam ao vivo de Nova York. Pra dizer a verdade não lembro bem o que ele disse era injusto eu ter passado por tanta coisa pra que aquelas pessoas não deixassem que eu assistisse meu desenho. As pessoas na televisão falando, desesperadas sobre terrorismo e atentados, sobre aviões e o pentágono. O tempo, não sei dizer quanto, passava corrido enquanto a raiva crescia, venenosa, dentro de mim. De repente um avião bateu no prédio, os meus vizinhos gritaram, a imagem na televisão tremia, todos de repente estavam desesperados e gritando, devia ser por causa do avião...
O repórter repetiu quantas pessoas haviam no avião e as imagens continuavam na televisão, eu, sentado assistindo sem entender direito o que estava acontecendo. O prédio caiu e eu ouvi mais gritos. Não agüentava mais aquilo! Desliguei a televisão e sai de casa, na rua vi a minha vizinha chorando, e tive vontade de chorar também, não sei se porque ela estava chorando ou pela injustiça que o destino me fez. O resto do dia foi horrível, não tive o que fazer pela manha - os meus amigos também estudavam pela manha– pela tarde minha mãe chegou do trabalho arrasada, não entendia porque os adultos estavam naquele estado se eles não tinham passado o que eu passei!
De noite, enquanto meu pai assistia o jornal, a mulher disse que aquele era um dia triste e fatídico (o que era isso?) ele começou a conversar com a minha mãe sobre isso e eu escutei toda a conversa, eles falaram de ódio, de terrorismo, de conspiração. Disseram que o mundo nunca mais seria o mesmo e meu pai terminou o assunto dizendo “maldito 11 de setembro”.
Sinceramente não entendi sobre o odio e a maldade das pessoas que eles estavam falando, tudo que eu entendia era que tinham estragado o meu dia, e eu não assisti meu desenho, mas em uma coisa eu e todos os adultos que eu vi concordamos:
Maldito 11 de Setembro!

2 comentários:

  1. Muito bacana, Jau! É incrível como a maioria das pessoas tem uma história pessoal a contar sobre o que aconteceu naquele dia...! A minha tb é muito louca...!! Espero que hoje vc já tenha assistido a tudo de Sakura!!! Abração!

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